4.3.06

O funcionário do mês

este é outro textinho que eu publiquei no meu antigo blog. enquanto a inspiração para novos textos não vem, contente-se com os antigos.


Era sexta-feira. Eu estava extremamente mal-humorada, com dor de cabeça, deprimida – ainda não tinha me recuperado completamente do trauma-de-fim-de-namoro – e ainda estava extremamente atrasada para o trabalho. Quando cheguei à prefeitura, já eram 8:45. Chamei o elevador e subi até o terceiro andar. A porta se abriu, olhei para os dois lados e saí correndo para me sentar a minha mesa sem ser notada. Na primeira curva, dei de cara com a minha chefe. Ela também estava de mal-humor - como sempre – e me deu seu conhecidíssimo olhar repressor e disse: “você está atrasada”. Ela sempre foi mestre em dizer o óbvio. Acho que deve ter feito alguma matéria extracurricular na faculdade para fazer isso com tanta primazia. Sentei a minha mesa e comecei a não trabalhar. Sim, a não trabalhar. Eu estava proibida de fotografar porque o sindicato dos jornalistas estava pegando no meu pé. Diziam que, como eu era estudante de propaganda, não poderia estagiar em foto-jornalismo. Telefonei para o sindicato, falei pessoalmente com eles, entrei com um pedido de liberação por escrito, blá, blá, blá... Resultado: enquanto não tivesse resposta do sindicato teria que ficar de molho.
Fiquei sentada olhando o tempo passar e fingindo que estar lendo alguma coisa, pois, se minha chefe me visse fazendo nada – o que acontece com muita freqüência quando se está não trabalhando – ela arranjaria algo idiota para eu fazer ou digitar. Continuei nesse estado por muito tempo, odiando meu emprego, odiando o sindicato, odiando meus colegas fotógrafos por estarem fotografando, odiando minha chefe. Basicamente odiando minha vida inteira, do nascimento até a futura morte, esperadamente prematura naquele momento.
Deram 11:45 e eu peguei minhas coisas para sair correndo daquele inferno. Já estava perto do elevador quando o meu colega fotógrafo apareceu com um jaboti enorme, passou por mim e entrou na sala da Secretaria de Comunicação. Curiosíssima, fui atrás dele. Foi um alvoroço. Todos queiram ver o jaboti, saber o que ele estava fazendo ali, tocá-lo, dar água para ele beber. Até minha chefe esqueceu a enxaqueca e entrou na onda. Meu colega fotógrafo contou que estava na estrada e viu o jaboti atravessando a BR, quase sendo atropelado. Então ele parou o carro, pegou o jaboti e veio direto para a prefeitura. Minha chefe gritou: “vamos tirar uma foto dele para fazer uma matéria”. Eu, que não sou boba, arranquei a máquina fotográfica do pescoço do salvador de jaboti e logo comecei a fotografar. No começo ele foi um pouco tímido, não saía do casco, mas, logo depois, ele se mostrou um pouco. Por fim, ele estava passeando por toda a secretaria e sendo fotografado ao lado de todos os funcionários.
Passada a euforia, ligaram para o zoológico e pediram para que buscassem o simpático quelônio e arrumassem um novo lar para ele. O funcionário do zôo disse que não tinha como fazer aquilo porque o zoológico tinha acabado de adquirir dez casais de tartarugas e eles já estavam abarrotados com aqueles cascudos. Pediram para que ligassem para o controle de zoonoses. Lá, um funcionário disse que não era da competência do controle, que isso era assunto para a sociedade protetora dos animais. Ligaram para a sociedade e, de lá, nos mandaram para o zoológico. Quando eu fui embora minha chefe ainda estava ao telefone e o mal-humor dela tinha voltado. No outro dia, fui não-trabalhar e percebi que ainda não tinham dado um fim para o jaboti. Minha chefe até nomeou uma secretária para cuidar do “Caso do Quelônio sem Teto”. Foi assim que começamos a lidar com o acontecimento depois de alguns dias.
Agora, já se passaram quase dois meses e o jaboti continua por aqui. Tentamos falar até com o prefeito para que ele arrumasse um lar para o bichinho, mas o prefeito disse que não era da sua competência. Nós nos acostumamos com o cascudo morando na Secretaria de Comunicação. Ele foi até indicado para ser o próximo funcionário do mês. Acho que vão usar uma foto que eu tirei para fazer um quadro e pendurar na parede da recepção.

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