1.3.06

Jesus te ama

Naquele dia, acordei antes do despertador tocar e olhei para o relógio que marcava 7:45. Apesar de ter ido dormir tarde, estava desperto e alerta. Pulei da cama e, já de chinelos e só de cueca, fui tomar banho.

Estava bem animado, pois, como não havia aula, poderia ir ao banco para descontar o cheque do meu primeiro salário como estagiário de uma firma de advocacia. Bem, na verdade, seria meu primeiro meio salário. Setenta reais e vinte e cinco centavos. Não eram muita coisa, mas, para um cara quebrado como eu, seria muito.

8:00. O despertador berrava no meu quarto. Corri todo molhado com a toalha na mão e apenas um dos chinelos nos pés. Não queria que minha mãe acordasse com o barulho do despertador.

Já de roupa e penteando os meus louros cabelos curtos, pensava no que fazer com minha pequena fortuna. Primeiro, pagaria o Fabrício, pois estava lhe devendo vinte reais de uma noitada no fliperama. Dinheiro mal gasto! Quem foi o idiota que disse que dá para aprender a jogar Street Fighter num dia só? Eu, claro! Nunca tinha jogado na vida, mas tinha que fazer bonito para Juliana.

Ah, Juliana! Estávamos namorando há um mês, mas eu já sabia que ela era a mulher da minha vida. Tudo bem que eu disse a mesma coisa sobre a Cláudia, mas eu era muito jovem! Eu também disse a mesma coisa sobre a Bea, mas a gente namorou um ano! E eu sei que eu falei a mesma coisa para aquela menina que eu conheci no show de heavy metal, mas essa aí nem conta, pois eu estava bêbado.

Juliana era a luz do meu caminho, o mel da minha colméia, os pingos dos meus ii e todas aquelas coisas piegas que eu não consigo me lembrar agora.

8:35. Não tinha nada que prestasse passando na tv. Só programa evangélico e desenho japonês - e o banco só abre às 10:00. Que pessoal mais preguiçoso! Por que não trabalham como todo mundo, a partir das 8:00? Chegando lá iria reclamar com o gerente.

Fiquei contando quantos tacos tinham na sala para passar o tempo. Mil oitocentos e vinte e cinco. Exatamente o número de tacos que tem na minha sala. Fiquei um pouco vesgo de tanto contar, mas estava orgulhoso pela tarefa executada. Devia estar quase na hora do banco abrir e de eu meter a mão na minha bolada. Sorrindo olho para meu relógio de pulso. Meu sorriso vai se desfazendo no compasso do ponteiro dos segundos. 8:56, ainda!

Impaciente, peguei minha carteira de identidade, meu cheque nominal de setenta reais e vinte e cinco centavos e saí de casa com as chaves na mão. Decidi ir a pé ao banco que ficava longe de minha casa. Andando, em pouco tempo comecei a divagar novamente. Estava rico, milionário! Me sentia como Chiquinho Scarpa. Resolvi que iria comprar champanhe e morangos e chamar Juliana para passar a noite em minha casa. Ela iria adorar e, quem sabe, rolaria algo mais além de uns meros beijinhos...

Entrei num supermercado só para ver o preço do champanhe: vinte reais um champanhe meia boca. Caro demais. E o preço do morango? Dez reais a caixa. Muito caro. Melhor seria comprar um vinho Mioranza de três e cinqüenta e um pacote de bolacha Cream Cracker de três e cinqüenta e cinco.

Andei mais um tempão e comecei a me lembrar da rotina do escritório. Como era chata minha patroa! Mais desorganizada, impossível. Perdia quase tudo, menos a hora da audiência, pois era eu quem organizava a agenda dela. Um dia, ela perdeu a carteira de trabalho de um cliente e pôs a culpa em mim. Me fez procurar em todas as pastas do arquivo, inclusive, nas do arquivo morto. Fiquei horas procurando e nada. No fim do dia, quando eu começava a pensar em assassinato ou suicídio, ela deu um gritinho e disse que a carteira estava o tempo todo no fundo da bolsa dela. Ela ficou dando risadas e eu fiquei com um sorriso amarelo na boca, remoendo de ódio por dentro.

Às 9:45 cheguei à porta do banco. Parece que ele ficava mais perto da minha casa do que eu imaginava. Resolvi sentar no meio-fio e odiar minha patroa mais um pouco, só para distrair. Agitado, logo me levantei e fiquei andando de um lado para o outro. Olhei para o relógio, olhei para a porta do banco. Sentei novamente e resolvi odiar os bancários por serem preguiçosos e só abrirem o banco às 10:00. Tirei o cheque do bolso e o namorei um pouquinho. Coloquei de volta no bolso. Me levantei e me sentei mais umas duas vezes. Quando fiquei roxo, azul, vermelho de tanto esperar, o guarda destravou a porta giratória. Eu era o primeiro da pequena fila que se formou do lado de fora do banco. Apressado, tentei passar pela porta, mas ela travou. O guarda me olhou como se eu fosse um bandido, segurou a pistola com uma mão e com a outra apontou um pequeno depósito ao lado da porta escrito “objetos de metal”. Coloquei as chaves de casa lá e avancei mais uma vez. A porta travou de novo. Procurei em meus bolsos algo que pudesse ser de metal, mas não encontrei nada. O pessoal atrás de mim começou a ficar impaciente. Então o guarda carrancudo apontou para a fivela do meu cinto que nem era tão grande assim. Tirei a fivela e coloquei junto à chave. Passei pela porta giratória e pelo guarda que me olhava feio. Peguei a chave e a fivela e corri para o caixa.

Descontei meu cheque de setenta reais e vinte e cinco centavos. Agora sim, saldaria minha dívida com Fabrício e passaria com Juliana agradáveis horas regadas a vinho de três e cinqüenta e a bolacha cream cracker. E ainda me sobrariam quarenta e três reais e vinte centavos.

Feliz da vida, passei pelo guarda com um olhar de vitória. Tinha meu primeiro meio salário em minhas mãos. Passei pela porta giratória e ganhei a liberdade da rua. Triunfante, contemplava alegremente minha pequena fortuna quando alguém me deu uma trombada e agarrou meu meio salário inteiro. Até a moedinha de vinte e cinco centavos ele levou.

Desolado, de mãos vazias e completamente sem reação, observei o malfeitor se afastar rapidamente de mim. Não vi cara, cor de pele ou de cabelo. Só consegui ler em sua camiseta escrito em letras garrafais: “Jesus te ama”.

Jesus pode até me amar, mas, definitivamente, aquele cara não está nem aí para mim.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que bosta essa historinha.