10.3.06

Que foi? Aconteceu alguma coisa?

meu pai está muito doente. há alguns dias descobrimos um câncer no estômago e ele teve todo o órgão extraído em uma cirurgia que aconteceu há mais ou menos vinte dias. agora ele está melhor, mas perdeu muitos quilos e logo na segunda será submetido a sua primeira sessão de quimioterapia.

sabendo de tudo isso, ligo para minha casa e minha irmã atende o telefone. ela disse alô soluçando alto e um tanto descontrolada. pergunto se minha mãe está em casa, pois queria falar com ela, e minha irmã diz, soluçando mais ainda, que minha mãe fora ao hospital com meu pai. o primeiro pensamento que se passou pela minha cabeça foi: “puta que pariu! meu pai foi para o hospital e morreu lá”. tentei, com algum esforço, me controlar e perguntei, esperando pelo pior, por que ela estava chorando. soluçando mais forte ainda minha irmã me disse que havia brigado com o namorado por telefone. super-aliviada, eu disse:

- ufa! ainda bem. quero dizer, mas por que você brigou com seu namorado mesmo?

e eu, completamente aliviada, continuei a conversar com minha irmã, mas tentando manter a naturalidade.

êta irmã exagerada, essa minha!

7.3.06

O patinho feio

este é outro texto de ficção que já publiquei no antigo blog.


Era uma vez, há muito tempo atrás, um patinho que morava em uma fazenda bem longe da cidade. Mas ele não era como seus irmãos e irmãs e, por isso, ninguém queria ficar com ele. As outras mães-patas faziam comentários maldosos a seu respeito e proibiam seus filhos de brincar com ele. Apesar de viver infeliz e abandonado, sua mãe ainda o via como os outros patinhos.


Ela não conseguia aceitar o fato de ele ser gay.


O triste patinho já não se importava tanto em ficar sozinho. Até dizia para si mesmo que gostava assim. E todo o dia era do mesmo jeito: quando ele chegava com a sua Barbie para brincar, os outros patinhos iam embora. Quando ele tentava conversar sobre os testes da Capricho, eles lhe davam as costas. E mesmo à hora do banho, quando ele vinha todo alegre com sua touca rosa fosforescente, eles o deixavam só - não queriam correr o risco de o sabonete cair.


Passou–se algum tempo e o patinho continuou a brincar sozinho. Até que um dia, ao brincar à beira do lago, ele viu algo fantástico. Ele era grande, era lindo, ele era um cisne multicolorido! Sem demora, o patinho foi correndo, digo, nadando até aquele cisne mágico e, ainda muito espantado, disse:


- Nossa! Como o senhor é bonito! O que é você?
- Eu sou uma drag queen – respondeu o cisne – meu nome é Patolina dos patins.
- Como eu gostaria de ser igual ao senhor...
- Mas você pode ser como eu.
- Posso?!
- É claro que pode! Venha comigo.


E o cisne encantado levou o patinho para a sua casa. Lá começou a ensinar tudo o que sabia ao pequenino enquanto que o patinho dava tudo de si ao grande mestre.


Estes ensinamentos duraram semanas até que o patinho fosse considerado pronto. Mas, depois disso, o patinho já não era mais o mesmo. Ele estava muito diferente. Ele tinha se transformado em um cisne encantado e descoberto que havia muitos como ele em uma terra também encantada. E o patinho, não mais feio, mudou-se para lá e foi feliz para sempre em são Francisco.

6.3.06

Que figurino é esse?!

eu falhei ontem, mas foi apenas um dia sem escrever. você sabe como é: do ensaio da peça fui para a casa do namorado e, conversa vai, conversa vem, acabei dormindo por lá mesmo.
sei que o número de visitas por aqui anda muito baixo e que não tenho, em relação a isso, muito estimulo para escrever, porém, ando tendo alguns problemas familiares, amorosos, financeiros, profissionais, de saúde e alguns outros que não me lembro agora que seria um desperdício deixa-los apodrecer em minha cabecinha tão bonita. a desgraça foi inventada para ser compartilhada, então, seguindo esta máxima, serei altruísta e falarei um pouco sobre minha vida miserável.

sábado foi o dia marcado para se fazer as fotos de divulgação da peça que estou atuando – a bela e a fera. faz algum tempo que estou tento problemas com meu figurino e, mesmo sendo avisado, o produtor não tomou as rédeas para resolver toda essa confusão. como resultado, meu figurino não ficou pronto a tempo para a sessão de fotos. liguei para o produtor e avisei que não iria, pois não tinha como fazer as fotos do meu personagem sem estar vestida com as roupas dela. ele gritou comigo e me mandou ir para lá mesmo sem o figurino. cheguei no estúdio e ele e disse que as roupas da babete – meu personagem – estavam prontas o tempo todo e me entregou uma blusa de mangas compridas e um pena para colocar na cabeça. o figurino proposto é parecido com o de uma corista de hollywood com um belíssimo chapéu, decotes insinuantes e corselete. briguei com ele, disse que preferia ficar sem foto a usar aquele arranjo mal feito e saí bufando escada acima. na escada chorei como uma criancinha de cinco anos que não conseguiu comer o doce que queria. pensei melhor e voltei para a sala onde estavam sendo feitas as fotos.


peguei o “figurino” da babete para colocar, mas não conseguia parar de chorar. o produtor, então, veio me consolar e eu acabei colocando a roupa, mesmo contra minha vontade, e fui ser maquiada. o maquiador, enquanto passava a massa corrida na minha cara, parava de tempos em tempos para dizer “enxuga”. eu, então, enxugava minhas lágrimas com uma grande toalha de rosto.


terminada esta primeira parte, comecei, lentamente a tentar vestir o que me restava: uma pena para colocar na cabeça. neste momento, fui salva por dois atores que, condoídos com minha sub-condição, resolveram dar um jeito naquela fantasia mal arrumada, pois, como eles disseram, glamour é com eles mesmos. eles amarraram o arranjo de penas em meu pescoço, depenaram um outro arranjo de cabeça que parecia ter saído direto da sapucaí dos anos 70 para o estúdio fotográfico e colocaram um monte de penas brancas enormes na minha cabeça. diagnóstico final: um luxo! deram um espelho para eu contemplar o resultado de um árduo trabalho de cinco minutos, mas me recusei a olhar para mim vestida em algo realmente ridículo e que não tinha nada a ver com minha personagem e destoava completamente do resto do elenco.


ainda querendo chorar, fui fazer as fotos. só consegui posar porque sou uma excelente atriz e tenho total controle das minhas emoções e as fotos só saíram boas por causa da minha extrema beleza. Mas, mesmo assim, não quero nem olhar quando essas fotos horrorosas ficarem prontas para não correr menor o risco de cair no choro novamente.

4.3.06

O funcionário do mês

este é outro textinho que eu publiquei no meu antigo blog. enquanto a inspiração para novos textos não vem, contente-se com os antigos.


Era sexta-feira. Eu estava extremamente mal-humorada, com dor de cabeça, deprimida – ainda não tinha me recuperado completamente do trauma-de-fim-de-namoro – e ainda estava extremamente atrasada para o trabalho. Quando cheguei à prefeitura, já eram 8:45. Chamei o elevador e subi até o terceiro andar. A porta se abriu, olhei para os dois lados e saí correndo para me sentar a minha mesa sem ser notada. Na primeira curva, dei de cara com a minha chefe. Ela também estava de mal-humor - como sempre – e me deu seu conhecidíssimo olhar repressor e disse: “você está atrasada”. Ela sempre foi mestre em dizer o óbvio. Acho que deve ter feito alguma matéria extracurricular na faculdade para fazer isso com tanta primazia. Sentei a minha mesa e comecei a não trabalhar. Sim, a não trabalhar. Eu estava proibida de fotografar porque o sindicato dos jornalistas estava pegando no meu pé. Diziam que, como eu era estudante de propaganda, não poderia estagiar em foto-jornalismo. Telefonei para o sindicato, falei pessoalmente com eles, entrei com um pedido de liberação por escrito, blá, blá, blá... Resultado: enquanto não tivesse resposta do sindicato teria que ficar de molho.
Fiquei sentada olhando o tempo passar e fingindo que estar lendo alguma coisa, pois, se minha chefe me visse fazendo nada – o que acontece com muita freqüência quando se está não trabalhando – ela arranjaria algo idiota para eu fazer ou digitar. Continuei nesse estado por muito tempo, odiando meu emprego, odiando o sindicato, odiando meus colegas fotógrafos por estarem fotografando, odiando minha chefe. Basicamente odiando minha vida inteira, do nascimento até a futura morte, esperadamente prematura naquele momento.
Deram 11:45 e eu peguei minhas coisas para sair correndo daquele inferno. Já estava perto do elevador quando o meu colega fotógrafo apareceu com um jaboti enorme, passou por mim e entrou na sala da Secretaria de Comunicação. Curiosíssima, fui atrás dele. Foi um alvoroço. Todos queiram ver o jaboti, saber o que ele estava fazendo ali, tocá-lo, dar água para ele beber. Até minha chefe esqueceu a enxaqueca e entrou na onda. Meu colega fotógrafo contou que estava na estrada e viu o jaboti atravessando a BR, quase sendo atropelado. Então ele parou o carro, pegou o jaboti e veio direto para a prefeitura. Minha chefe gritou: “vamos tirar uma foto dele para fazer uma matéria”. Eu, que não sou boba, arranquei a máquina fotográfica do pescoço do salvador de jaboti e logo comecei a fotografar. No começo ele foi um pouco tímido, não saía do casco, mas, logo depois, ele se mostrou um pouco. Por fim, ele estava passeando por toda a secretaria e sendo fotografado ao lado de todos os funcionários.
Passada a euforia, ligaram para o zoológico e pediram para que buscassem o simpático quelônio e arrumassem um novo lar para ele. O funcionário do zôo disse que não tinha como fazer aquilo porque o zoológico tinha acabado de adquirir dez casais de tartarugas e eles já estavam abarrotados com aqueles cascudos. Pediram para que ligassem para o controle de zoonoses. Lá, um funcionário disse que não era da competência do controle, que isso era assunto para a sociedade protetora dos animais. Ligaram para a sociedade e, de lá, nos mandaram para o zoológico. Quando eu fui embora minha chefe ainda estava ao telefone e o mal-humor dela tinha voltado. No outro dia, fui não-trabalhar e percebi que ainda não tinham dado um fim para o jaboti. Minha chefe até nomeou uma secretária para cuidar do “Caso do Quelônio sem Teto”. Foi assim que começamos a lidar com o acontecimento depois de alguns dias.
Agora, já se passaram quase dois meses e o jaboti continua por aqui. Tentamos falar até com o prefeito para que ele arrumasse um lar para o bichinho, mas o prefeito disse que não era da sua competência. Nós nos acostumamos com o cascudo morando na Secretaria de Comunicação. Ele foi até indicado para ser o próximo funcionário do mês. Acho que vão usar uma foto que eu tirei para fazer um quadro e pendurar na parede da recepção.

3.3.06

Me passa o cebolar

Patricinha andava na praça Universitária quando o celular tocou:
– Alô. Oi lúcia, tudo bem? Não, a aula já acabou. Agora tou indo pegar o ônibus pra ir pra casa. Ué, rola, mas você vai ter que me pegar em casa, porque o carro da minha mãe tá sem gasolina. Lúcia, espera só um momentinho. O que você quer? Ah, tá... Nada não, Lúcia, só uns moleques de rua me assaltando. Não, querido, leva só o dinheiro e o talão de cheques; a bolsa, a carteira e os documentos ficam, você não precisa deles. Lúcia, acho que vou chegar um pouco mais tarde em casa, tem algum problema? Pois é, agora vou ter que arrumar uma carona, tou sem dinheiro pro ônibus. Ih, nem sei que horas vou chegar, agora tou sem relógio também... Oi? tá, só um momentinho que eu já desligo. Alô, Lúcia? Então você me liga mais tarde? Mas liga no telefone lá de casa porque vou estar sem celular, tá? Um beijo. Tchau, tchau.

1.3.06

Tudo que nasce morre.

por volta dos sete anos, começamos a entender o verdadeiro significado da palavra “morte”. antes disso, ouvimos dizer que, se arrancarmos aquela plantinha, ela morre; se pisarmos naquela formiginha, ela também morre, mas não somos capazes de entender o que isto realmente quer dizer. quando alguém muito próximo da criança morre, é preciso lançar mão de algumas analogias para fazê-la entender que a morte é definitiva. “o totó dormiu e nunca mais vai acordar”. “mamãe está viajando para um lugar muito bonito e não pode mais voltar para casa.”. depois dos sete anos, somos apresentados à senhora morte e evitamos, a todo custo, não pensar nela e, muito menos, cruzar com ela. entendemos que eventualmente iremos morrer, que papai e mamãe não ficarão do nosso lado para sempre, mas deixamos tais reflexões lúgubres para quando realmente precisarmos delas.

ninguém vive para sempre. acredito que criamos o mito da alma eterna, não porque temos medo de nossa própria morte, mas para evitar que quem amamos morra, mesmo que seja apenas na ilusão. muitas vezes, não nos importamos de nunca ver algum conhecido, mas ficamos sempre abalados ou mesmo tristes quando recebemos a notícia de sua morte. acho que não suportamos a idéia de que nunca mais veremos essa pessoa.

os vampiros vivem para sempre, mas esta vida lhes custa caro. porque não sofrem com a certeza da própria morte e de não amarem ninguém, precisam conviver quase diariamente com ela matando outras pessoas para sobreviver. contudo, apesar da dor que lhes é imposta, o vampiro assassino nos é extremamente sedutor. temos inveja desta imortalidade.

alf, o ETeimoso, ao receber a notícia de que um amigo em seu planeta natal havia morrido, preparou uma festa na qual comemoraria a sua morte abrindo latas de pêssegos em calda. me pareceu, quando vi este episódio, que a sociedade do extra-terrestre fosse muito mais evoluída em relação a idéia da morte e como lidar com ela. tive inveja deste personagem.

  • Alf, o ETeimoso
  • a morte é certa, mas sua hora é incerta.

    há alguns dias atrás, recebi a notícia que meu pai estava com um câncer no estômago. ele se submeteu a uma cirurgia que estava programada para retirar um pedaço do estômago, mas ele teve todo o órgão retirado para evitar a propagação do tumor.
    hoje, recebi a notícia de que houve metástase e que o tecido em volta do estômago também fora afetado. sei que meu pai não é eterno e que ele, provavelmente, morreria antes de mim, mas esta notícia mais recente me entristeceu muito.

    queria poder planejar uma grande festa com muita gente e muitas latas de pêssego, porém, infelizmente, não sou uma alienígena, sou apenas mais um ser humano. minha esperança é que a quimioterapia dê certo ou, na pior das hipóteses, que ele seja mordido por um vampiro e não morra em um curto espaço de tempo. pelo menos, não enquanto eu viver.

    Promessa é dívida

    parece que, finalmente, estou conseguindo manter minha promessa de postar por aqui diariamente.
    vejamos os próximos dias.

    enquanto isso, un cuentito para los chiquillos que já publiquei antes.

    Jesus te ama

    Naquele dia, acordei antes do despertador tocar e olhei para o relógio que marcava 7:45. Apesar de ter ido dormir tarde, estava desperto e alerta. Pulei da cama e, já de chinelos e só de cueca, fui tomar banho.

    Estava bem animado, pois, como não havia aula, poderia ir ao banco para descontar o cheque do meu primeiro salário como estagiário de uma firma de advocacia. Bem, na verdade, seria meu primeiro meio salário. Setenta reais e vinte e cinco centavos. Não eram muita coisa, mas, para um cara quebrado como eu, seria muito.

    8:00. O despertador berrava no meu quarto. Corri todo molhado com a toalha na mão e apenas um dos chinelos nos pés. Não queria que minha mãe acordasse com o barulho do despertador.

    Já de roupa e penteando os meus louros cabelos curtos, pensava no que fazer com minha pequena fortuna. Primeiro, pagaria o Fabrício, pois estava lhe devendo vinte reais de uma noitada no fliperama. Dinheiro mal gasto! Quem foi o idiota que disse que dá para aprender a jogar Street Fighter num dia só? Eu, claro! Nunca tinha jogado na vida, mas tinha que fazer bonito para Juliana.

    Ah, Juliana! Estávamos namorando há um mês, mas eu já sabia que ela era a mulher da minha vida. Tudo bem que eu disse a mesma coisa sobre a Cláudia, mas eu era muito jovem! Eu também disse a mesma coisa sobre a Bea, mas a gente namorou um ano! E eu sei que eu falei a mesma coisa para aquela menina que eu conheci no show de heavy metal, mas essa aí nem conta, pois eu estava bêbado.

    Juliana era a luz do meu caminho, o mel da minha colméia, os pingos dos meus ii e todas aquelas coisas piegas que eu não consigo me lembrar agora.

    8:35. Não tinha nada que prestasse passando na tv. Só programa evangélico e desenho japonês - e o banco só abre às 10:00. Que pessoal mais preguiçoso! Por que não trabalham como todo mundo, a partir das 8:00? Chegando lá iria reclamar com o gerente.

    Fiquei contando quantos tacos tinham na sala para passar o tempo. Mil oitocentos e vinte e cinco. Exatamente o número de tacos que tem na minha sala. Fiquei um pouco vesgo de tanto contar, mas estava orgulhoso pela tarefa executada. Devia estar quase na hora do banco abrir e de eu meter a mão na minha bolada. Sorrindo olho para meu relógio de pulso. Meu sorriso vai se desfazendo no compasso do ponteiro dos segundos. 8:56, ainda!

    Impaciente, peguei minha carteira de identidade, meu cheque nominal de setenta reais e vinte e cinco centavos e saí de casa com as chaves na mão. Decidi ir a pé ao banco que ficava longe de minha casa. Andando, em pouco tempo comecei a divagar novamente. Estava rico, milionário! Me sentia como Chiquinho Scarpa. Resolvi que iria comprar champanhe e morangos e chamar Juliana para passar a noite em minha casa. Ela iria adorar e, quem sabe, rolaria algo mais além de uns meros beijinhos...

    Entrei num supermercado só para ver o preço do champanhe: vinte reais um champanhe meia boca. Caro demais. E o preço do morango? Dez reais a caixa. Muito caro. Melhor seria comprar um vinho Mioranza de três e cinqüenta e um pacote de bolacha Cream Cracker de três e cinqüenta e cinco.

    Andei mais um tempão e comecei a me lembrar da rotina do escritório. Como era chata minha patroa! Mais desorganizada, impossível. Perdia quase tudo, menos a hora da audiência, pois era eu quem organizava a agenda dela. Um dia, ela perdeu a carteira de trabalho de um cliente e pôs a culpa em mim. Me fez procurar em todas as pastas do arquivo, inclusive, nas do arquivo morto. Fiquei horas procurando e nada. No fim do dia, quando eu começava a pensar em assassinato ou suicídio, ela deu um gritinho e disse que a carteira estava o tempo todo no fundo da bolsa dela. Ela ficou dando risadas e eu fiquei com um sorriso amarelo na boca, remoendo de ódio por dentro.

    Às 9:45 cheguei à porta do banco. Parece que ele ficava mais perto da minha casa do que eu imaginava. Resolvi sentar no meio-fio e odiar minha patroa mais um pouco, só para distrair. Agitado, logo me levantei e fiquei andando de um lado para o outro. Olhei para o relógio, olhei para a porta do banco. Sentei novamente e resolvi odiar os bancários por serem preguiçosos e só abrirem o banco às 10:00. Tirei o cheque do bolso e o namorei um pouquinho. Coloquei de volta no bolso. Me levantei e me sentei mais umas duas vezes. Quando fiquei roxo, azul, vermelho de tanto esperar, o guarda destravou a porta giratória. Eu era o primeiro da pequena fila que se formou do lado de fora do banco. Apressado, tentei passar pela porta, mas ela travou. O guarda me olhou como se eu fosse um bandido, segurou a pistola com uma mão e com a outra apontou um pequeno depósito ao lado da porta escrito “objetos de metal”. Coloquei as chaves de casa lá e avancei mais uma vez. A porta travou de novo. Procurei em meus bolsos algo que pudesse ser de metal, mas não encontrei nada. O pessoal atrás de mim começou a ficar impaciente. Então o guarda carrancudo apontou para a fivela do meu cinto que nem era tão grande assim. Tirei a fivela e coloquei junto à chave. Passei pela porta giratória e pelo guarda que me olhava feio. Peguei a chave e a fivela e corri para o caixa.

    Descontei meu cheque de setenta reais e vinte e cinco centavos. Agora sim, saldaria minha dívida com Fabrício e passaria com Juliana agradáveis horas regadas a vinho de três e cinqüenta e a bolacha cream cracker. E ainda me sobrariam quarenta e três reais e vinte centavos.

    Feliz da vida, passei pelo guarda com um olhar de vitória. Tinha meu primeiro meio salário em minhas mãos. Passei pela porta giratória e ganhei a liberdade da rua. Triunfante, contemplava alegremente minha pequena fortuna quando alguém me deu uma trombada e agarrou meu meio salário inteiro. Até a moedinha de vinte e cinco centavos ele levou.

    Desolado, de mãos vazias e completamente sem reação, observei o malfeitor se afastar rapidamente de mim. Não vi cara, cor de pele ou de cabelo. Só consegui ler em sua camiseta escrito em letras garrafais: “Jesus te ama”.

    Jesus pode até me amar, mas, definitivamente, aquele cara não está nem aí para mim.