Afinal, é desacato ou não imitar a sirene do carro da polícia? A grande dúvida gerou um debate acalorado entre os clientes de uma distribuidora de bebidas do Jardim América numa madrugada de setembro. De um lado, eu, sóbria. Do outro lado, três ébrios, um sóbrio e um metade louco, metade psicólogo. A discussão surgiu depois que, entre uma cerveja e outra água mineral, começamos a contar casos de conhecidos que se deram mal com a polícia quase sem esforço algum. A Ronda Ostensiva Tático Motorizada (Rotam) foi protagonista de todas as histórias.
O artigo 331 do Código Penal diz que “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela” é um crime passível de prisão e multa. Já a Lei Federal Regulamentadora nº 4.898 de 9 de dezembro de 1965 versa que uma autoridade não pode extrapolar os limites de sua função pública sob pena de cair no crime de abuso de autoridade. O pessoal da Rotam parece que entende só essa primeira parte de nosso Lexus. Mas, como saber 50% em lugar que se sabe nada já é muito, estão todos aprovados.
Um dos casos que ilustraram nossa discussão na madrugada foi a história do primo do amigo do meu namorado que entrou na contramão a toda velocidade e deu de cara com uma Blazer cheia de policiais. Não deu para frear, bateu. Como bateu no carro da polícia, apanhou. Na porta da distribuidora, me disseram que este mereceu.
A outra história foi a do Besta*, um amigo meu que ganhou esse apelido por seus dotes intelectuais. Besta* parou a moto no sinal, ao lado de uma viatura. Não tinha nada mais inteligente para fazer, começou a acelerar a motoca para fazer graça às pedestres. Tomou um sopapo no capacete e teve que mostrar aos defensores da Lei até certificado de reservista. Na porta da distribuidora, me disseram que este também mereceu.
O protagonista da terceira história estava em sua bike com outro amigo na bike dele. Um carro da Rotam passou bem devagar, como costumam fazer, com as caras para fora da janela, encarando feio quem passasse perto. Não sei por que, cargas d’água, o bicicleteiro, em sua marotice, resolveu imitar a sirene com um grito curto e agudo. A viatura deu a volta, parou ao lado dos moleques e vomitou uns três cabra lá de dentro que desceram segurando o cinto com o revólver.
Os três guardinhas espremeram os dois rapazes até um deles confessar o crime. Um policiais agarrou o carinha pela gola da camiseta, prensou a cara do coitado no giroflex ligado e gritou perguntando se o pobre gostava do barulho da sirene. A pequena tortura durou alguns poucos minutos, mas serviu para deixar o garoto surdo por quase uma semana.
A discussão na porta da distribuidora se deu porque eu acreditava que o garoto havia cometido o crime de desacato. Fui quase massacrada por meus pares que pensaram que eu estava de acordo com a atitude dos policiais. Nem me deram a chance de dizer que o pessoal da Rotam cometeu o crime de abuso de autoridade. Mas, novamente, como saber 50% em lugar que se sabe nada já é muito, estão todos aprovados, inclusive os policiais.
P.S.: Só para constar, o jurista Nelson Húngria Hoffbauer, Ministro do Supremo Tribunal Federal no ano de 1951, declarou que "A ofensa constitutiva do desacato é qualquer palavra ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário. É a grosseira falta de acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, gritos agudos etc". E tenho dito!
* Apelido fictício, porém com significado semelhante ao real